Oportunidades no campo sindical

A possibilidade de expansão de atividades por meio da aproximação de federações sindicais de abrangência global

O julgamento da ADI 5794, corroborado pela Medida Provisória nº 873/2019, estabeleceu que ninguém será forçado a contribuir para o financiamento das entidades sindicais, isso sinaliza a sobrevivência apenas dos sindicatos que conseguirem demonstrar maior representatividade, bem como daqueles que já se engajavam no sustento apartado da contribuição sindical obrigatória.

A retirada parcial do Estado como regulador das relações de trabalho – eis que abala o financiamento das entidades, contudo ainda impõe a unicidade sindical, atrelada aos impactos causados pela globalização, representa entrave ao processo de negociação e mobilização de bases, o que parece suscitar instransponibilidade e enfraquecimento dos entes sindicais.

O problema surge na medida em que a globalização intensifica as situações de trabalho temporário, rotatividade e induz empresas multinacionais a diminuírem custos, com a transferência ou instalação de unidades em países que permitem a aplicação de normas em padrões inferiores aos observáveis em países desenvolvidos, onde normalmente se situam as matrizes dessas empresas.

No campo político, Maurício Rombaldi e Kimi Tomizaki, fazem análise interessante ao citarem Ramalho (2014), no artigo “Ultrapassando fronteiras: trajetórias de militantes brasileiros no sindicalismo transnacional”:

“a desorientação da ação sindical provocada pela incapacidade de os governos resistirem às forças da globalização econômica e pela transnacionalização de empresas traria questionamentos sobre a capacidade de os sindicatos se manterem como instituições de representação efetiva dos trabalhadores. Assim, a articulação de trabalhadores em redes internacionais estaria explicitando novas formas organizativas, bem como novos padrões de regulação do trabalho, o que permitiria considerar um paulatino desenvolvimento de práticas sindicais para além das fronteiras nacionais como uma alternativa concreta ao enfrentamento da atual conjuntura”.

A transformação do cenário sindical faz emergir novas interações, com o rearranjo nas lógicas de atuação sindical, o que permite o vislumbre de fortalecimento do sindicalismo e, ainda que utópica, a possibilidade de alteração do modelo sindical instituído no Brasil também parece ser possível. 

O trabalho de conscientização dos contribuintes, a ser realizado pelos sindicatos, deverá ser mais intenso, com isso, os próprios trabalhadores atingirão uma postura mais ativa em relação à efetiva participação na luta por seus direitos, eis que a decisão sobre o desconto das contribuições sindicais deverá ser concedida de modo espontâneo e individual.

Os sindicatos, na tentativa de promover sua subsistência, bem como trabalhar no melhor interesse das categorias por eles abrangidas, podem expandir suas atividades, através da busca de apoio ou até mesmo padronização de ações, via alianças firmadas com outros sindicatos em distintas regiões geográficas, o que favorece o encontro de apoio em federações sindicais de abrangência global.

Em um primeiro momento, o fenômeno terá impacto mais efetivo nas empresas multinacionais, as quais, em certa medida, já estão conformadas com os efeitos dessas práticas, posteriormente, porém, o alastramento das atividades sindicais será notado em todos os tipos de atuação empresarial.

Cite-se como exemplo, a tentativa de adequação e conformidade de modo a abranger as cadeias produtivas globais de determinado setor de produção, instituída com o objetivo de evitar sanções ou danos à imagem empresarial, o que representa, por vezes, riscos de difícil mitigação, tendo em vista a rapidez de propagação de informações pela internet.

O controle destes riscos tem sido feito através da implementação de sistemas de gestão, cujos programas de ações extrapolam o regramento jurídico aos quais as empresas precisam se enquadrar para atuar em seus mercados.

Nos últimos anos, estas práticas podem ser observadas através da criação de programas de compliance, bem como do comprometimento das companhias com práticas de Responsabilidade Social Empresarial (RSE´s), que começaram a abranger, cada vez mais, no campo trabalhista, a proteção aos direitos fundamentais dos trabalhadores.

Estes programas extrapolam o conjunto de regras jurídicas que as empresas estão submetidas e têm o condão de alcançar, inclusive, as cadeias produtivas globais, o que se traduz em proteção à imagem, bem como institui a própria perenidade do negócio.

A Organização Internacional do Trabalho atua nessa frente e veicula o conceito de “trabalho decente”, que é a base para a formação de quatro objetivos estratégicos: cumprimento das normas internacionais do trabalho, especificamente no que tange os princípios e direitos fundamentais do trabalho; promoção do emprego de qualidade; ampliação da proteção social; e fortalecimento do diálogo social.

A conceituação veiculada pela OIT frequentemente é utilizada como base para a formulação de um programa de RSE e inserida em programas de compliance, utilizados por empresas de abrangência global.

As Convenções da OIT abrangidas pelos programas podem não ter sido ratificadas pelo país no qual a empresa está inserida, no entanto, posturas socialmente agraciadas, tais como: extirpação do trabalho escravo, proibição de abuso, tratamento desumano, discriminação, trabalho infantil, trabalho forçado, bem como garantias de observância às normas de higiene e segurança do trabalho, banimento de jornadas excessivas e monitoramento do efetivo pagamento de salários, passam a ser exigidas, cada vez mais, não só pelos consumidores como também pelos investidores estrangeiros.

No campo sindical, observam-se algumas ferramentas que têm sido vistas como novas formas de regulação, como: a união de organizações sindicais internacionais, comissões mundiais de trabalhadores, Global Compacts, bem como Acordos Marco Internacionais (AMI´s), no intuito de inserir direitos fundamentais básicos e influenciar as decisões empresariais.

Paralelamente, exemplos de articulação de trabalhadores de modo a tocar a internacionalização são vislumbrados, seja através da participação em fóruns organizados pela OIT, da agremiação de trabalhadores em comitês mundiais de empresas, bem como das articulações bilaterais entre sindicatos situados em diversos países, entre outras ações.

Os instrumentos de responsabilidade empresarial geralmente são anunciados pelas diretorias de organizações multinacionais como elo de compromisso com as políticas globais integrantes das práticas de RSE´s, o que sinaliza o respeito destas companhias à opinião pública, bem como torna mais fácil o pleito de capitais, alcançáveis via investimentos estrangeiros.

Isso demonstra que as instruções preconizadas pela OIT são prezadas pelas companhias em todas as suas operações, na tentativa de evitar a ocorrência de trabalho escravo e demais denúncias sociais que impliquem em prejuízo à imagem empresarial ou que sejam destrutivas a ponto de comprometer a perenidade do negócio.

Destaca-se nesse campo a atuação da IndutriALL Global Union, cuja bandeira é a defesa da solidariedade mundial na luta por melhores condições de trabalho e a garantia do direito de organização sindical dos trabalhadores, a qual ostenta hoje o título de maior federação do planeta, abarcando a representação de mais de 50 milhões de trabalhadores.

O Brasil já vem demonstrando um certo protagonismo nessas interações, com a ascensão de dirigentes sindicais a importantes cargos internacionais, movimento visto a partir de 2012, mencionado por Maurício Rombaldi  e Kimi Tomizaki, como exemplos, citam-se o caso do o ex-presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), João Felício, que ocupou o cargo de presidente da Confederação Sindical Internacional (CSI), bem como Fernando Lopes e Valter Sanches, na Federação Internacional dos Trabalhadores nas Indústrias Metalúrgicas (IndustriALL).

A necessidade de instituição de uma agenda global de ações em busca da defesa do direito dos trabalhadores fez com que sindicalistas buscassem cargos no plano internacional e essa situação tende a se maximizar, o que significa que a internacionalização dos sindicatos será uma ferramenta cada vez mais utilizada pelas entidades sindicais, na tentativa de subsistência e fortalecimento. 

Portanto, essas são as oportunidades vislumbradas no campo sindical, que indicam a possibilidade de expansão de atividades, através da aproximação de federações sindicais de abrangência global, com o fornecimento de serviços mais efetivos em prol da defesa do trabalhador.

Tais atividades tornarão as entidades mais atuantes, na busca de melhoria do diálogo social e das relações de trabalho nas empresas e, consequentemente, os esforços poderão engajar trabalhadores nas lutas sindicais, abrindo possibilidades para a alteração do modelo sindical instituído no Brasil.

Por conseguinte, vislumbra-se a possibilidade de alcance da liberdade sindical, inclusive com a necessária ratificação da Convenção n. 87, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), o que deve ser o cerne das próximas reinvindicações sindicais brasileiras, fruto do engajamento dos trabalhadores neste processo.

Artigo publicado no Jota em 09/04/2019. https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/oportunidades-no-campo-sindical-09042019?amp=1

Andresa Lima

Andresa Lima

Advogada especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (FGV LAW), em 2018. Bacharela em Direito pela Universidade Paulista (UNIP), em 2014.

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